Aspectos materiais da reforma trabalhista

O início da Reforma trabalhista ocorreu em dezembro de 2016 por iniciativa do poder executivo, na época o objetivo era de reformar apenas nove artigos, no entanto com o trâmite na câmera dos deputados a minirreforma se transformou em mais de cem artigos, sob o fundamento de que havia uma demanda reprimida.

A legislação trabalhista nasceu de uma desigualdade entre as partes, surgiu de um rol protetivo de direitos sociais, tornando a norma imperativa, não cabendo escolha ao trabalhador. Em contrapartida, a modernização é incontestável uma vez que não havia uma segurança jurídica, a norma fazia-se incompleta, praticamente regida por súmulas e orientações jurisprudenciais, há então esse resistência da norma protetiva com a modernização. Veja-se a seguir os principais aspectos materiais da reforma:

1.1 Força dos acordos e convenções coletivas

O ponto principal da Reforma foi dos acordos e convenções, que com a reforma valem mais do que a lei, teve seu fundamento no próprio constituinte que previa o negociado em prevalência do legislado, atendendo a nova lei trabalhista ao princípio da máxima efetividade do texto constitucional.

O Supremo em dois posicionamentos já ecoava tal entendimento ao fixar a prevalência de acordo coletivo de trabalho sobre a CLT e ao estabelecer quitação geral do contrato no plano de demissão voluntária.

Vejamos tal julgamento:

Direito do Trabalho. Acordo coletivo. Plano de dispensa incentivada. Validade e efeitos. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477§ 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: ‘A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado’” (STF, Pleno, RE 590.415/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 29.05.2015).

A nítida tendência de se prestigiar e reconhecer a prevalência das normas coletivas negociadas em face da legislação trabalhista, notadamente em matérias, tendo como fundamento ainda a Lei das gorjetas 13.419/2017, artigo 457 da CLT.

Em diversos pontos ela prevê o negociado sobre o legislado, importante ressaltar que mesmo antes dessa reforma já se fazia importante a descrição da gorjeta na CTPS.

Na falta de sindicatos, a lei trouxe parâmetros, para que um grupo de trabalhadores possa atuar sem necessidade de representação, as diretrizes da negociação ocorrerá por instrumentos coletivos.

Outro ponto importante que a lei das gorjetas trouxe foi a incorporação destas a salário, uma possível extinção do termo remuneração, pela privação das gorjetas, de forma a constituir-se apenas como remuneração, exceto norma coletiva.

Nos estabelecimentos com mais de 60 (sessenta) empregados será realizado uma comissão de gorjetas a qual prevê uma nova forma de estabilidade, a forma dessa estabilidade dependerá de instrumento coletivo.

“Com essa decisão do STF, as convenções coletivas, entre patrões e empregados, passam a ter força de lei. Nosso entendimento é de que esta decisão representa mais um importante passo para a modernização da legislação trabalhista, uma de nossas bandeiras e que terá consequências também na terceirização da mão-de-obra, que passamos a defender, isso sem ser refém da antiga Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT”[1]

1.2 Grupo econômico

No Direito do Trabalho não estão previstos os requisitos formais para a configuração do grupo de empresas, que pode decorrer de situação de fato, mesmo porque incide a primazia da realidade.[1]

O grupo econômico é constituído por duas ou mais empresas, tendo cada uma com personalidade jurídica própria, não se admite a sua constituição exclusivamente por entidades que não exerçam atividades econômicas e empresariais.

O grupo econômico pode ser configurado de duas formas: quando as empresas envolvidas estão sob a direção, controle ou administração de outra; ou a segunda forma quando, mesmo guardando cada uma das empresas a sua autonomia, integrem grupo econômico.

A primeira possibilidade de grupo econômico é o hierarquizado ou sob subordinação, quando uma das empresas exerce o poder de dominação em face das demais. Tal dominação da empresa principal é exercida sob a forma de direção, controle ou administração das empresas subordinadas.

Por conseguinte, no grupo econômico hierarquizado, a empresa principal, para exercer o seu poder de dominação: conduz as empresas subordinadas, definindo o que fazer e como elas devem exercer as suas atividades; ou controla as empresas subordinadas, decidindo a respeito dos rumos a serem tomados ou das diretrizes a serem analisadas por elas ou administra as empresas subordinadas, dirigindo as suas atividades e organizando o modo de atuarem no mercado.

A segunda possibilidade diz respeito ao grupo econômico não hierarquizado, aquele em que as empresas conservam relação horizontal, isto é, de coordenação, e não de dominação, quando Não há uma empresa principal e outras a ela subordinadas.

No entanto, nesse caso, a mera identidade de sócios não caracteriza o grupo econômico, pois são necessários para a configuração do grupo três requisitos, quais sejam: a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes (artigo parágrafo 3º, da CLT, acrescentado pela Lei 13.467/2017).

No âmbito rural, nos termos do artigo parágrafo 2º, da Lei 5.889/1973, sempre que uma ou mais empresas, apesar de ter cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.

Como se vislumbra, no domínio rural também se admite o grupo econômico hierarquizado aquele por dominação bem como o grupo econômico em que as empresas sustentam entre si relação de coordenação.

A implicação da existência de grupo econômico é o de que todas as empresas que o integram são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. Reflete tanto a empresa principal como as empresas subordinadas (no grupo econômico hierarquizado) e todas as empresas que mantêm relação de coordenação entre si (no grupo econômico não hierarquizado) são responsáveis solidárias pelos direitos devidos aos empregados do grupo econômico e das empresas que o integrem. Versa que, no caso, de solidariedade passiva, decorrente de expressa previsão legal.

Desta forma, o empregado pode exigir os créditos trabalhistas da empresa a quem prestou serviços e (ou) das demais empresas que compõem o grupo econômico. Não há benefício de ordem entre as empresas, visto que a responsabilidade é solidária, e não subsidiária.

Há muitas discussões ainda, se o grupo de empresas é o empregador único. Cumpre mencionar, a relação jurídica do empregado é mantida com a empresa ou com o grupo econômico. Tendo que verificar se o empregador é a empresa que integra o grupo econômico ou este, ainda tem de se observar se no grupo de empresas também há solidariedade ativa, em que cada um dos credores solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro (artigo 267 do Código Civil).

Assim, a redação do artigo parágrafo 2º, da CLT, decorrente da Lei 13.467/2017, reflete que a responsabilidade das empresas que integram o grupo econômico é apenas passiva, ao prever que elas “serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego”.

Nesse sentido, a Súmula 129 do TST:

“Contrato de trabalho. Grupo econômico. A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário”.

Não se pode olvidar, que há situações em que o empregado é juridicamente subordinado apenas a uma empresa, a qual exerce o poder diretivo e figura como o efetivo empregador. Nessa hipótese, o contrato de trabalho tem como sujeitos o empregado e a empresa. As demais empresas que integram o grupo econômico, entretanto, respondem solidariamente pelos créditos trabalhistas.

Como se vê, o tema do grupo de empresas no Direito do Trabalho possui grande relevância, cabendo- nos acompanhar a interpretação e a aplicação, pela doutrina e pela jurisprudência, das novas previsões legais.

1.3 Tempo à disposição do empregador

O Tribunal Superior do Trabalho (TST), definiu como tempo à disposição do empregadorque o tempo gasto com atividades preparatórias, tais como troca de uniforme, colocação de EPIs, lanche e higiene pessoal, realizadas dentro das dependências da empresa, consideravam-se como tempo à disposição do empregador.

O dispositivo inserido no artigo  da CLT, dispõe de diversas situações em que o tempo de permanência do empregado na empresa é considerado como a disposição do empregador para fins de remuneração, A reforma trabalhista decorrente da Lei 13.467/2017 inseriu nesse artigo o parágrafo segundo com a seguinte redação:

“Art. 4º Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.

§ 1o Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar e por motivo de acidente do trabalho.

§ 2o Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1o do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras:

I – práticas religiosas;

II – descanso;

III – lazer;

IV – estudo;

V – alimentação;

VI – atividades de relacionamento social;

VII – higiene pessoal;

VIII – troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa.” (NR)

Se o empregado “por escolha própria” permanecer nas dependências da empresa por insegurança ou mesmo por questões climáticas desfavoráveis esse tempo não é considerado como a disposição do empregador para fins de remuneração.

Um ponto importante é o de que antes da reforma, muitos trabalhadores que possuem jornada de trabalho que se encerra de madrugada, horário em que não havia mais transporte público. Ficava impossibilitado de ir para sua residência, razão para que o trabalhador ficasse na empresa até o início da manhã quando começa a circular o transporte público. O judiciário vinha reconhecendo nessas situações a reponsabilidade do empregador de impor jornada de trabalho em que o empregado ao seu final não tem como retornar para casa, concedendo indenização desse período como horas a disposição da empresa.

Com a alteração da legislação, estará excluída qualquer responsabilidade do empregador nos casos dispostos no parágrafo 2º, desde que não seja imposto pelo empregador tais funções, nesse caso prevalece uma presunção relativa de que não será computada, visto que o princípio da primazia da realidade defende a situação real em prol da lei.[2]

As súmulas do Tribunal superior do Trabalho 123, 366, 429 e a 449, provavelmente não serão alteradas, pois estão em consonância com a reforma, veja-se :

Súmula nº 123 do TST COMPETÊNCIA. ART. 106 DA CF (cancelada) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

Em se tratando de Estado ou Município, a lei que estabelece o regime jurídico (art. 106 da Constituição Federal) do servidor temporário ou contratado é a estadual ou municipal, a qual, uma vez editada, apanha as situações preexistentes, fazendo cessar sua regência pelo regime trabalhista. Incompetente é a Justiça do Trabalho para julgar as reclamações ajuizadas posteriormente à vigência da lei especial.

Súmula nº 366 do TST

CARTÃO DE PONTO. REGISTRO. HORAS EXTRAS. MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO (nova redação) – Res. 197/2015 – DEJT divulgado em 14, 15 e 18.05.2015

Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários. Se ultrapassado esse limite, será considerada como extra a totalidade do tempo que exceder a jornada normal, pois configurado tempo à disposição do empregador, não importando as atividades desenvolvidas pelo empregado ao longo do tempo residual (troca de uniforme, lanche, higiene pessoal, etc).

Súmula nº 429 do TST

TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. ART.  DA CLT. PERÍODO DE DESLOCAMENTO ENTRE A PORTARIA E O LOCAL DE TRABALHO – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

Considera-se à disposição do empregador, na forma do art.  da CLT, o tempo necessário ao deslocamento do trabalhador entre a portaria da empresa e o local de trabalho, desde que supere o limite de 10 (dez) minutos diários.

Súmula nº 449 do TST

MINUTOS QUE ANTECEDEM E SUCEDEM A JORNADA DE TRABALHO. LEI Nº 10.243, DE 19.06.2001. NORMA COLETIVA. FlEXIBILIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 372 da SBDI-1) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014

A partir da vigência da Lei nº 10.243, de 19.06.2001, que acrescentou o § 1º ao art. 58 da CLT, não mais prevalece cláusula prevista em convenção ou acordo coletivo que elastece o limite de 5 minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho para fins de apuração das horas extras.

Quanto aos demais itens elencados nos incisos I a VIII, devem ser destacados que a higiene pessoal e a troca de roupa ou uniforme somente estará excluído do tempo a disposição do empregador se não for uniforme de uso obrigatório e se a higiene pessoal não decorrer da necessidade da própria função exercida pelo empregado.

1.4 O negociado sobre o legislado

A reforma nasceu com esse argumento de que agora a justiça do trabalho será apenas observadora da relação entre o sindicato, trabalhador e empresa, cabendo a justiça do trabalho tão somente analisar a conformidade com os elementos essenciais do negócio jurídico, com isso criou-se o princípio da intervenção mínima, disposto no artigo 8º, § 3º veja-se:

Art. 8º, § 3o No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.” (NR)

O objetivo da reforma foi a de que a justiça do trabalho somente intervirá quando houver vício de vontade. A reforma admite que aquilo que foi pactuado no acordo com os interesses e as características particulares de cada mercado e de cada atividade profissional tenha soberania sobre a lei. Assim como permite a flexibilização das relações de trabalho para que se adequem ao momento histórico e econômico.

Deste modo, confere segurança jurídica, pois impede que cláusulas normativas sejam anuladas em ações individuais em clara ofensa à efetiva vontade expressada pelos signatários dos instrumentos coletivos. Portanto, além de privilegiar a negociação coletiva, consente aos empregadores a certeza do fiel cumprimento de todas as obrigações que lhe incumbem, prevenindo, a formação de decisões imprevisíveis advindos das decisões judiciais que anulam cláusulas normativas anos após sua vigência.

1.5 Responsabilidade do sócio retirante

A responsabilidade do sócio retirante nos por débitos trabalhistas e a aplicação do limite temporal, advém da a responsabilidade dos sócios e do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, para se estabelecer o limite temporal de sua responsabilidade.

A exemplo da sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor correspondente de suas quotas, sendo que todos os sócios respondem solidariamente pela integralização do capital social, nos termos do artigo 1.052 do Código Civil[3].

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

Já no instituto da desconsideração da personalidade jurídica, o Código Civil prevê no artigo 50 a possibilidade de afastar a personalidade jurídica da empresa para se atingir o patrimônio dos sócios, a partir do requerimento do interessado apoiada por decisão judicial.

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Observado o disposto nos artigos acima, ainda que de forma breve, necessário observar as disposições dos artigos 1.003 e 1.032 do Código Civil, que estabelecem o limite temporal das obrigações dos sócios.

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

Tais artigos estabelecem que a responsabilidade do sócio retirante persista pelo prazo de 02 (dois) anos depois de averbada a alteração do contrato social, respondendo o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

Quanto o limite temporal do sócio retirante, vê-se amparado em recente decisão proferida pelo TRT da 3ª Região[4], “verbis”:

EMENTA: SÓCIO RETIRANTE DA SOCIEDADE – RESPONSABILIDADE – ARTIGO 1003PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL. Por força do princípio da desconsideração da personalidade jurídica, os sócios, inclusive o sócio retirante, respondem por seus atos de gestão. Mas isto não quer dizer que a responsabilidade deles seja perene, após a sua retirada da sociedade. O Código Civil contemplou esse entendimento, estabelecendo, no parágrafo único do art. 1003 que, “até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio”. É certo que a efetividade da coisa julgada, a sua plena satisfação, constitui objetivo do Poder Judiciário. Por outro lado, a segurança das relações jurídicas é objetivo igualmente almejado, não sendo razoável, exceto quando constatada fraude, atribuir-se responsabilidade ao sócio retirante em ação ajuizada mais de 6 anos depois de sua saída. Agravo provido, para afastar a responsabilidade do sócio.” (TRT 3ª Região – 8ª Turma – AP 67500-66.2009.5.03.0129 –Relª. Desª. Denise Alves Horta – DEJT 15/06/2012 – p.128)

Desse julgado extrai-se que não existe responsabilidade perpétua dos ex-sócios. É necessário observar que esse entendimento não se aplica se for constatada a prática de fraude pelos sócios.

Além da decisão proferida pelo TRT da 3ª Região, muitas vezes a Justiça do Trabalho busca satisfazer o crédito do hipossuficiente atingindo o patrimônio dos sócios através de decisões orientada pela desconsideração da personalidade jurídica regulada sem premissas discutíveis.

Assim a Lei 13.467/2017 proporcionou o encerramento desse grande debate gerado pela doutrina e jurisprudência quanto ao prazo final de responsabilidade do sócio que se desliga de uma empresa. Com a reforma trabalhista o artigo 10 A da Consolidação das Leis Trabalhistas passará a prever a responsabilidade subsidiaria do sócio retirante com uma ressalva quanto a preferência na ordem da execução.

Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:

I – a empresa devedora;

II – os sócios atuais; e

III – os sócios retirantes.

Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato.”

Na fase executória, antes de se atingir o patrimônio do sócio retirante precisará o magistrado inicialmente executar o patrimônio da empresa empregadora, sendo esta execução frustrada, o magistrado deverá direcionar a execução para os atuais sócios da empresa. Apenas após o insucesso duas tentativas anteriores é que a execução poderá ocorrer face ao sócio retirante.

Todavia, o sócio retirante não deve responder por toda e qualquer dívida trabalhista, sendo restrito aquelas decorrentes do período em que figurou como sócio e que foram objetos de ações distribuídas até o prazo de dois anos da averbação da alteração do contrato social da empresa.

Ressalta-se que neste caso independe a data da execução, devendo ser considerada apenas a data da distribuição da ação, a qual deve ocorrer dentro do prazo de dois anos após a averbação do contrato, não afetando em nada a data do início da execução, a qual pode ocorrer anos depois, já que é de conhecimento geral a demora na tramitação do processo diante do sobrecarregamento do judiciário.

O parágrafo único do artigo ainda dispõe que caso seja comprovada a fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato a responsabilidade do sócio retirante passará a ser solidária com os demais sócios. Assim a aplicação da ordem preferencial descrita no artigo 10 A da CLT ocorrerá apenas nos casos em que não houver fraude da modificação do contrato, sendo aplicada para aqueles sócios que se desligam da empresa, garantindo-lhes uma segurança jurídica quanto a sua responsabilidade trabalhista.

Deve-se ter em mente que a aplicação do dispositivo considera apenas como sócio retirante aquele que teve o seu desligamento averbado no contrato social da empresa, o sócio retirante de fato, ou seja, aquele que se desliga apenas por instrumento particular sem, contudo fazer a devida averbação no órgão responsável, não terá direito à ordem preferencial, já que esse desligamento não terá eficácia.

Por fim, destacam-se os casos em que, apesar do contrato de trabalho ter sido iniciado no período de responsabilidade do sócio, este se estende após a sua saída. Nessa situação, deverá ocorrer a limitação temporal já que o sócio retirante que averbou sua saída da empresa, não pode ser responsabilizado por períodos posteriores ao prazo previsto no artigo. Assim, sua responsabilidade será apenas pelo período previsto no artigo, sendo as dividas posteriores de responsabilidade da empresa e dos atuais sócios.

A nova previsão legislativa estende o entendimento do Código Civil em seu artigo 1025 no qual dispõe ser responsabilidade do novo sócio as dívidas geradas em datas anteriores à do seu ingresso no quadro societário. Assim, a modificação trazida pela reforma reveste de legalidade o entendimento que até então era aplicado de forma majoritária na doutrina e na jurisprudência.


[1] MONTES, Marcos. STF derruba decisão do TST : Vale o negociado sobre o legislado. Disponível em < http://www.fpagropecuaria.org.br/destaques/stf-derruba-decisao-do-tst-valeonegociado-sobreolegislado#.WgYaWltSzIU>. Acesso em 01/11/2017.

[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 352-353.

[2]CORREIA, Henrique. Reforma trabalhista: o que mudou? . Disponível em: < https://www.cers.com.br/cursos/isoladas/isoladas-diversas-/reforma-trabalhistaoque-mudou>. Acesso em: 08/11/2017.

[3] Sociedades Limitadas – Marcel Gomes Bragança Retto, Barueri, SP: Manole, 2007

[4] TRT 3ª Região – 8ª Turma – AP 67500-66.2009.5.03.0129 –Relª. Desª. Denise Alves Horta – DEJT 15/06/2012 – p.128;

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